sábado, 8 de setembro de 2012

Eu e ela...

“Penso em minha mãe. Penso no seu jeito triste de me amar. Gostaria de vê-la só mais uma vez. Só para ter a oportunidade de dedicar lhe um olhar demorado, sem distancias. Queria ficar com ela em solidão. Arrancar lhe o lenço, pentear lhe os cabelos e enfeita los com flores do campo. Vestir lhe vestidos vermelhos, felizes, perfumados. Destrancar seus lábios para que pudesse falar seus medos, receios, desejos. Queria assentar me com ela na cama, entrelaçar lhe as mãos em movimento de cumplicidade e contar lhe tudo o que a vida me permitiu viver. Confidenciar lhe os medos que experimentei em sua partida, a vida de desafios que assumi, e ouvir as confissões de seu coração envelhecido. Queria perguntar lhe o que nunca soube perguntar. Investigar seus prazeres ocultos, suas alegrias miúdas. Queria desenterrar de sua boca a risada nunca permitida, o grito eufórico, o desabafo. Queria fazer o que nunca recordo ter feito. Aconchegar minha cabeça em seu colo, aninhar me indefeso, entrelaçar meus braços em suas ancas de mulher, pedir lhe socorro, proteção. E depois, balbuciando como uma criança que se sabe amada, eu lhe pediria que me retornasse ao ventre, para que, no exercício de sua maternidade, ela me devolvesse ao primeiro estado de minha vida estranha. Eu e ela. Indistintos corpos numa única urdidura biológica. Simbiose silenciosa que jamais seria rompida por contrações  musculares que inauguram a partida que nunca cessa. Eu no ventre. Adormecido na indivisa condição de pertença. Eu ventrifixado, não acontecido, preservado para todo o sempre do tortuoso destino de nascer, de romper as entranhas, de expor minha alma de sombras aos desconfortos da inclemente luz do sol. Eu e ela”