“Penso em minha mãe. Penso no seu jeito triste de me amar. Gostaria
de vê-la só mais uma vez. Só para ter a oportunidade de dedicar lhe um olhar
demorado, sem distancias. Queria ficar com ela em solidão. Arrancar lhe o
lenço, pentear lhe os cabelos e enfeita los com flores do campo. Vestir lhe
vestidos vermelhos, felizes, perfumados. Destrancar seus lábios para que
pudesse falar seus medos, receios, desejos. Queria assentar me com ela na cama,
entrelaçar lhe as mãos em movimento de cumplicidade e contar lhe tudo o que a
vida me permitiu viver. Confidenciar lhe os medos que experimentei em sua
partida, a vida de desafios que assumi, e ouvir as confissões de seu coração
envelhecido. Queria perguntar lhe o que nunca soube perguntar. Investigar seus
prazeres ocultos, suas alegrias miúdas. Queria desenterrar de sua boca a risada
nunca permitida, o grito eufórico, o desabafo. Queria fazer o que nunca recordo
ter feito. Aconchegar minha cabeça em seu colo, aninhar me indefeso, entrelaçar
meus braços em suas ancas de mulher, pedir lhe socorro, proteção. E depois,
balbuciando como uma criança que se sabe amada, eu lhe pediria que me
retornasse ao ventre, para que, no exercício de sua maternidade, ela me
devolvesse ao primeiro estado de minha vida estranha. Eu e ela. Indistintos corpos
numa única urdidura biológica. Simbiose silenciosa que jamais seria rompida por
contrações musculares que inauguram a
partida que nunca cessa. Eu no ventre. Adormecido na indivisa condição de
pertença. Eu ventrifixado, não acontecido, preservado para todo o sempre do
tortuoso destino de nascer, de romper as entranhas, de expor minha alma de
sombras aos desconfortos da inclemente luz do sol. Eu e ela”